sob a luz do sol é tempo de caiar as paredes e as floreiras à entrada da casa. no terraço há um recanto à sombra de uma buganvília, que se estica toda cheia de folhas e flores. eu resguardo-me por aí, com uma taça de água e uma caixa de ração. estou como um lorde.
todos os anos, no bom tempo, a casa espanta o frio com a alvura da cal, o colorido das flores, as primeiras borboletas, o zumbido das abelhas. o mundo em festa. e eu? eu espreguiço-me e dou longos bocejos. como apraz a um elevado membro da nobreza.
os dias enchem-se de amizades (e a minha barriga de petiscos). a idade não perdoa o cansaço, mas a dona da casa é dos seres humanos mais simpáticos que conheço. deixa-me encher a cama dela de pêlo, inevitável apesar da aristocracia que me corre nas veias.
a herdade tem a casa em que vivemos os dois, na qual muitos se encontram para as refeições, e dois espaçosos bangalós onde conheço pessoas novas todo o ano. agora os campos estão pincelados de papoilas e margaridas. no Dia da Espiga há quem colha ramos alegres.
se lhes ponho os dentes, perco a compostura. não sou um rafeiro qualquer, tenho sangue azul. mas é mais forte que tudo! ainda estou para entender como é que, uma apaixonada por gatos, adoptou um cachorro, na velhice. o coração tem deveras razões que a razão desconhece.